quarta-feira, 22 de abril de 2009

Fecha a Porta Devagar


O curioso acerca do primeiro dia da descoberta do amor, foi ter recomeçado a contagem dos dias numa perspectiva perfeitamente aleatória. O que quer dizer, que o segundo dia da descoberta do amor não aconteceu imediatamente ao primeiro e o terceiro não aconteceu a seguir ao segundo e assim sucessivamente. Assim, também, no primeiro dia não aconteceu nada que diga directamente respeito ao amor. Esse dia foi o começo de algo que terá nascido, quem sabe, umas centenas de dias depois, sem sentido algum de precisão. É, aliás, essa falta de precisão clara e inequívoca, a essência da contagem do tempo que concerne ao amor.
No primeiro dia da descoberta do amor, comecei a contagem aleatória dos factos e das pessoas da minha vida. Não sei a qual dia corresponde, este em que escrevo estas palavras, sei, todavia, que continuo nesse processo de contagem infinita e sem numerologia.
Aleatoriamente, portanto, encontrei pessoas, apaixonei-me por elas, vivi com elas e como elas. E, como elas a mim, perdi-lhes o rasto. Aleatoriamente, portanto, tive dias felizes e momentos de desespero e de profunda tristeza. Contei, aleatoriamente, as despedidas definitivas e os reencontros. Aleatoriamente, vivi em espaços diferentes, viajei sempre muito, aleatoriamente.
Conheci cidades. Usei os pincéis da memória para pintar a arquitectura dos espaços em que vivi.
Foi no meio desses esboços imperfeitos que descobri um tal de sentimento de pertença, que é o divã que hoje me acolhe a exaustão. Descobri a importância topológica das coisas que são nossas. E quando, às vezes, me perguntavam se sentia orgulho no meu país, respondi sempre, desde a primeira vez, com uma inusitada confiança: Não. Mas sinto que me completa muito! O orgulho, esse, crescia depois, provocado pela firmeza de tal resposta. Não me parece, no entanto, que fosse algo ensinado pelo meu país, porque nele tudo se encolhe, tudo se esconde e se envergonha de ser.

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