quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O MAGo Himalaya

Há pessoas que valem o seu peso em ouro, costuma dizer-se. Outras há cuja dimensão transcende o tempo, ofusca o brilho desse almejado metal precioso e, ao invés de se porem a tentar mover montanhas, sobem-lhes aos cumes, aproveitam a vista para o mundo e incorporam-nas, movem-se com elas. Metem-se no mundo, de novo. Há pessoas que a si próprias se dão à luz. Espanta-me que não se ensine isto na escola, ao lado do abecedário, dos mapas das terras, da tabela periódica, da fotossíntese… Espanta-me, deveras!
Se nunca ouviram falar do Padre Himalaya, é sobre vós que cai o meu espanto. Não é pela sua altura, é pelo seu tamanho; não pela sua barba frondosa, mas pelo seu rosto limpo; muito menos será pela circunstância do cabeção ao pescoço, ou por qualquer sentido moral imposto. Não é pelos seus inventos, pela sua visão ambientalista antecipada, no uso das energias renováveis, em detrimento das fósseis suicidas; não é pela sua profética visão no curso da humanidade. Não me espanta que tenha arrastado o fogo do sol até si, que quisesse separar os componentes do ar, que se tenha dedicado à herborização, à medicina, à hidrologia, ao nutricionismo, à educação. Às gentes. Nada disto me espanta, embora se congregue num só ser humano, e isso seja digno de espanto.
O que me espanta é que nunca tenham ouvido falar, que não vos tenha sido contado nos serões de Invernos longos, que um professor não vos tenha pedido uma dissertação, que a data do seu nascimento não seja por todos sabida de cor, que não se lhe tenha dedicado um dia feriado, que junto das suas estátuas e bustos não existam museus, centros de estudo, escolas, teatros e, que junto ao templo de devoção, que é toda a natureza, não cresçam árvores com o seu nome, que os terrenos não sejam adubados com sacos cheios da sua sabedoria. Na verdade, é isto que mais me espanta: que não seja reconhecido este homem que, de tão grande, só podia ter consentido o seu cognome Himalaya, como o cume do mundo.
Mas não se julgue que o espanto se abate, apenas, sobre mim. No passado dia 29 de Setembro encontrei-me a caminho de Sorède para a inauguração de uma réplica do segundo Periliófiro (forno solar, assim chamado porque convoca o sol) feito pelo padre Himalaya, naquela zona dos Pirinéus Orientais, em França. Foi uma viagem cheia de gente que se espanta, que se comove e que mais do que pôr-se a caminho é, tantas vezes, a própria estrada que leva aos sentires humanistas do padre Himalaya. Uma equipa encabeçada pelo Professor Jacinto Rodrigues, incansável na busca de novas pistas que o levem à descoberta contínua do percurso do homem, do cientista, do ambientalista Manuel António Gomes, o MAG Himalaya, como gostava de assinar. E mal não faria se assinasse MAGO, acrescento eu.
Os franceses podem continuar a gabar-se das descobertas de talentos portugueses. Em Sorède não há quem não reconheça o nome e tenha uma história para contar. Fez-se poesia com o nome do Padre Himalaya. Cantaram-se cantigas. Subiu-se muito alto por entre carreiros de cabras, arbustos, mata e árvores. Houve brindes e muitos sorrisos. Estou convencida de que dentro de muito pouco tempo, o número de visitantes à réplica inaugurada irá surpreender. Pelo esmero, pela dedicação, pelo empenho e pelo brio dos amigos de Sorède, não faltarão muitos anos para que o mundo julgue que este padre cientista (outrora ali tido como bruxo e espião) é francês, sempre foi dali. Se disserem que nasceu em pleno século XXI também se acreditará. Mais difícil é fazer crer que nasceu em 1868 ou que brincava às parabólicas ali no início do século vinte…
Eu, que sei dizer Himalaya, antes, muito antes, de imaginar que isso era nome de montanhas não me surpreendo, nem me aborreço com isso. Muito pelo contrário. Embora tenha nascido em Cendufe, como eu, aquele homem é, como eu, um cidadão do mundo. Um homem que se deu à luz, e que aos da luz pertence. 
Ao Jacinto, à Rosa, ao Alfredo, ao Diomar, à Milinha e a mim própria pertence. Assim como nos pertencerão sempre as memórias desses três dias que nos levaram a Sorède. Assim, só porque quisemos ver, mais de perto, o sol.
Comitiva Portuguesa em Sorède, Setembro de 2016

  

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Impeachment é o caralho!


O palavrão acima não é esse, é o outro. Eu não sou brasileira nem Dilma. Mas se fosse Dilma não seria brasileira, seguramente. Há muito que teria abdicado, não só do cargo político como, essencialmente, do vínculo social e cultural, que à minha volta se fabricaria (note-se que não me afastaria da cultura e dos traços sociais espontâneos). Num país onde se congemina e se ferra o povo de forma obtusa, cobarde (ou covarde, tanto faz!) e hipócrita, através de um estrangeirismo, eu não viveria. Dilma não será destituída do seu cargo, não haverá uma dissolução das suas funções, o seu mandato não será impugnado, nada disto acontecerá em bom português, porque os seus congeminadores, de tão absurdamente polutos, preferem esconder-se atrás dum anglicanismo bafiento e incompreensível para a esmagadora maioria do povo que representam. Esta simples questão lexical deveria servir para ilustrar o mau cheiro que envolve toda esta trapalhada de contornos democráticos muito duvidosos. Não, não há um impeachment de Dilma no Brasil, o que há é, obviamente, uma ferração total.
A divisão a que se tem assistido (ao longe e sem grande conhecimento de causa, claro está!) da opinião pública brasileira não é, de resto, novidade nenhuma. Pousei recentemente mãos e pés naquele território e nada disto me surpreende. O que me surpreendeu foi perceber que os inúmeros estereótipos acumulados ao longo de uma vida de convívio (inevitável) com as novelas da Globo, não são, afinal, apenas estereótipos. As divisões de classe e racial, que vi em poucos dias, são constrangedoras, mesmo quando agarramos nas mãos uma maravilhosa e insubstituível água de côco. Essa divisão existe. Faz-se. Constrói-se e alimenta-se todos os dias. É conveniente, como é conveniente afastar Dilma e o PT, e todos os que a pulso tentam dar alguma dignidade a quem não conhece sequer o termo.
Se eu fosse Brasileira (e nem precisava ser Dilma), agarraria nesses tratantes e dar-lhes-ia a escolher entre esmagar a caixa esquelética, que lhes protege a amostra de cérebro, na pedra da Gávea ou no Calçadão, enquanto os instruiria cuidadosamente sobre algumas questões lexicais básicas e essenciais. Saibam, por exemplo que impeachment é um termo muito parolo, principalmente, quando acompanhado de tantas chiantes. Caso desconheçam o conceito de parolo, vão impeachar-se da ignorância e da sonsice, se fazem favor!
Se acharem que este texto é niilista, talvez não passem completamente ao lado da sua essência. Não tenho o hábito de me curvar perante autoridades estabelecidas sem princípios. Sugiro que façam o mesmo.

Força, Brasil! Força, meus queridos amigos lúcidos!