Coleccionando pedacinhos patéticos de papel. Uma esplanada por onde o sol se solta, como um leão sobre as presas. E nós a deixarmo-nos abocanhar pela sua fúria faminta, a abrirmo-nos como uma mesa longa num banquete medieval. Um homem, julgando-se feliz, agarra entre as mãos um litro de cerveja morta, cruza as pernas sobre a invenção de um ar tranquilo, finge uma conversa com uma companhia inexistente e avermelha-se no caco da cabeça, como se tivesse vaidade em oferecer mais pele ao sol do que o resto da gente. Pensa que é mais feliz porque tem mais espaço para o sol percorrer. Pensa nisto e sorri e nem lhe ocorre que é gordo e disforme e feio. Não sabe que é menos feio, quando sorri, não sabe que ganha formas joviais quando sorri. Não sabe que quase levita, quando sorri. Não sabe que sorri. Não saberá, se eu não lho disser. Não saberá que escrevo sobre o sorriso. Porque não o adivinha, sequer o adivinha.
E o silêncio cerca-nos a todos, como uma bola de sabão gigante, que se lançou ao ar, ignorando que rebentaria, sob os nossos olhares.
A ignorância, a mais imberbe de todas as palavras, a provocar-me, de novo. A visitar-me com a regularidade de uma enfermeira ao doente mais delicado. Olho em volta e tudo é ignorância: O homem gordo, os pés descalços, pousados sobre o inalterado asfalto, sobre o verde do que um dia foi campo e agora é terra solta, o movimento de cadeiras a reclamarem vontade própria. E esta cerveja que se esvaziou para dentro de mim, sem que lhe notasse a vontade. O tempo parou sobre Berlim, sobre mim, enquanto inventava rimas iguais sobre pedacinhos de papel.