Nos dias em que não sinto dores no tornozelo
Lembro-me daquele rapaz e da minha mocidade
E de tantos momento para mim de zelo
E, para a minha mãe, pura leviandade!
Nos dias em que a artrose não me ataca
E me leva à cama ou me põe numa maca
É que me lembro daquele mancebo
De mãos ásperas e braços fortes
A medir-me as ancas, a gabar-me o porte
A tirar-me da cara o palminho que deus me deu
E a pôr-me no corpo, outro palminho bem seu.
Só nos dias em que a vesícula parece rebentar
É que me vem à cabeça aquele peito de pedra
Aquele moço de vigor e de saúde que medra
Aquele cortejar, adocicando-me a bílis
Uma espécie de selo que me dava forma
Um ex-líbris que o passado adorna
E foi antes, muito antes
Do reumatismo, das artroses ou das vesículas biliares
Que um dia o vi a ir pelos ares.
Lembro-me bem de como fugia
Qual acrofóbico a subir para as nuvens
De olhos fechados e sem se voltar
Segurando a mão de outra, todo contente
E eu feita em lágrimas e espasmos de dor
Néscia na vida, ignorando o amor
Julgava o corpo apenas doente.
Enrolando dias, desfiando histórias
A vida cresceu como um novelo
E num baile de boas e más memórias
Voltam-me as dores no tornozelo
Ocorre-me isto (e não é que goste):
Partir corações e andar de avião
Sempre se fez por meio tostão
Que fará agora, com tanta Low Cost!...
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