Mas, eu vi isto num filme em Fevereiro e hoje lembrei-me disso, porque ia no metro e vi duas pessoas a insultarem-se como deus manda ao diabo fazer (ainda agora ia maiusculizar “deus”, mas depois não consegui maiusculizar “diabo” e, fiquei-me pelo factor comum), e isso talvez já conte para alguma coisa. Isto que eu tenho em mente contar, mas não sei por onde começar, pode muito bem resolver-se por eu me decidir que nomes dar às figuras centrais de isto que eu tenho para contar. A maior parte das vezes, um nome não me diz nada, mas neste caso, a escolha de dois nomes, pode representar a diferença entre contar isto que me apetece contar e calar-me. Por isso, acho que já estou mais ou menos decidida: pego no nome da única pessoa israelita que conheço e poderia pegar no nome da única pessoa palestiniana que conheço, mas como não consigo pronunciá-lo, muito menos escrevê-lo, vou ter que procurar outro.
Pego em dois nomes e conto uma história, que (mais vírgula menos parêntesis) vi num filme, por isso, pode não contar para grande coisa. Seja como for, a história é simples e curta. Das mais simples e mais curtas que já ouvi. Das mais belas também.
Yael exerce medicina num hospital de Jerusalém. Souad exerce enfermagem no mesmo hospital. Yael e Souad encontram-se ocasionalmente nos corredores do hospital e Souad sorri sempre e tenta entravar conversas tontas para as quais Yael sugere não ter tempo. Mas Souad é persistente e tem graça. A certa altura a corte de Souad está de tal forma bem montada, que deixa Yael sem defesas, sem querer ter defesas, sem ver motivos para continuar numa posição defensiva. E, coisa simples, o amor cresce. Sim, porque o amor não é como uma mesa feita de perfeitos vértices que, logo que um carpinteiro decide, está terminada (completa) e não tem mais por onde crescer. O amor (dizem os que sabem e outros que se armam ao pingarelho) é coisa que tem uma gestação própria, dentro das vidas próprias de cada um, onde o limar de arestas e ajuste de vértices é coisa de que se prescinde naturalmente.
Mas eu vi isto num filme, por isso, pode não contar para grande coisa.
Eu vi o filme e vi Yael e Souad, logo que o filme acabou de ser projectado (ao vivo, quero dizer). E ainda mal tinha recuperado do choque que é ver-se um documentário e “realizar”(como dizem as pessoas que vêem o “Bom Português” e dividiram a carteira com a “Edite Estrela”, que também fica bem entre aspas) que aquilo é a sério, quando Yael e Souad (eu já disse que isto são nomes fictícios?) me aparecem à frente em carne e osso, réplicas perfeitas das imagens do ecrã gigante e embrulhadas numa chusma de palmas e vivas, que parecia não ter fim… Mas teve, porque Souad agarrou-se com firmeza ao microfone e falou e encantou e voltou a falar antes, durante e depois de Yael. E só se falou de amor. Mais nada. Um amor possível em qualquer lado, mas muito (demasiadamente) improvável em Jerusalém. Um amor entre israel e palestina (ainda agora ia maiusculizar “israel”, mas depois não consegui maiusculizar “palestina” e, fiquei-me pelo factor comum).
Eu vi isto num filme, por isso, pode não contar para grande coisa. Até porque isto era apenas uma história muito simples e muito curta sobre o amor. Não há mais nada, a não ser que alguém se interesse pelo tamanho indecifrável das notas de rodapé, que normalmente nos vinculam a contratos incontornáveis. Esta é uma delas. Isto é incontornável e está muito ao alcance das nossas responsabilidades...Assinemos a favor do amor!
Nota: eu vi isto no filme “City of Borders”, da realizadora Yun Suh. Quando Yael e Souad se dirigiram a palco vinham de mãos dadas, sorrindo, obviamente satisfeitas por poderem demonstrar o seu amor, sem a censura, o medo, o pavor de serem condenadas por crimes chamados de honra, que profunda e lamentavelmente tanto desonram o amor. Mas elas não vinham sozinhas. Elas não estavam sozinhas. Elas não partiram sozinhas para Jerusalém e no regresso iam convictas de que será possível construir a família com que há muito sonham. E pelo que vi, são meninas para conseguirem!
Deixo-vos a foto, porque eu não vi estas mulheres num filme (ainda agora ia maiusculizar “mulheres”, mas fico-me pelo seu amor comum) e, sei que isso pode valer de alguma coisa.
Tu viste num filme e por isso não pode contar grande coisa...
ResponderEliminarEu tenho muitas vezes a consciencia de que sou parte de algum filme, alias,
de muitos e diferentes filmes...
Muitas vezes sala vazia.
Ou quase vazia.
Mas que estou na tela estou.
Há romance, ou não,
há aventura, ou não,
há sexo ou não... Não interessa
E depois tudo acaba bem
ou nao.
Mas eu vivo esta panoplia de filmes e isso me interessa
bjs
Mário Certo