Não penses que isto é uma
homenagem. As homenagens fazem-se no dia-a-dia e foram muitos os dias que não
partilhámos. Não quero falar desses. Quero falar dos dias em que me ensinaste
tudo o que não cabe nestas palavras, nem caberá em livro algum. Escrevo-te porque
me fizeste jurar que não pararia de o fazer. Encharcavas os olhos emocionado e
suplicavas: “Maria Eugénia”, irritavas-te com a minha inépcia para isto ou para
aquilo e vociferavas: “Maria Eugénia”, contorcias-te numa gargalhada por este
ou aquele disparate meu e sentenciavas: “Ai, Maria Eugénia”. Ninguém dizia o
meu nome com tanto gosto como tu. Assim, inteiro, sem condescendência, sem
medo, sem precipitações. Fazias de mim uma mulher grande, desde o tempo em que
eu era apenas uma miúda e bastava-te nomear-me.
És um monstro, Xico. Agarraste em
ti e ocupaste. Ocupaste tantos seres por dentro, pela raiz, pelas entranhas.
Adoravas fazê-lo! E eu adorava que o fizesses. Fomos dois monstros juntos: Eu
enchia-te a casa de sementes e tu punhas tudo a germinar. Ocupavas-te de tudo o
que germinava. Não fizeste amigos: construíste um lar de gente boa. Foste colo
e fonte, tanta água em terra árida!
Dizias “chão” como quem diz terra
e gente e ideias e respeito e amor. A tua cerca era o teu chão, de onde tudo
isto emanava. És o chão e tudo o que dele brota.
Foste o meu chão. Todos os
sabores e cheiros e cores do Alentejo, a fusão da bonomia com a sabedoria, os
coentros frescos, os pimentos assados (cobertos de molho, que eu nunca podia
fazer), és todos os verões felizes da minha vida, ao luar e ao sol tórrido, és
uma família feliz à volta de uma mesa farta. És pão e vinho – o alfa e o ómega
de todos nós, por muito que andemos.
Por isso, agora, vou ficar aqui à espera que me voltes
a dizer:
– Maria Eugénia, traz esse Margaça e anda p’ra
mesa!
– Já vou. Xico, já vou! Tem calma! – E ficarei a
repetir isto por muito tempo, prometo. E eu não prometo em vão, tu sabes que
não.
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