segunda-feira, 19 de março de 2018

Namastê, Amigo!


Não penses que isto é uma homenagem. As homenagens fazem-se no dia-a-dia e foram muitos os dias que não partilhámos. Não quero falar desses. Quero falar dos dias em que me ensinaste tudo o que não cabe nestas palavras, nem caberá em livro algum. Escrevo-te porque me fizeste jurar que não pararia de o fazer. Encharcavas os olhos emocionado e suplicavas: “Maria Eugénia”, irritavas-te com a minha inépcia para isto ou para aquilo e vociferavas: “Maria Eugénia”, contorcias-te numa gargalhada por este ou aquele disparate meu e sentenciavas: “Ai, Maria Eugénia”. Ninguém dizia o meu nome com tanto gosto como tu. Assim, inteiro, sem condescendência, sem medo, sem precipitações. Fazias de mim uma mulher grande, desde o tempo em que eu era apenas uma miúda e bastava-te nomear-me.
És um monstro, Xico. Agarraste em ti e ocupaste. Ocupaste tantos seres por dentro, pela raiz, pelas entranhas. Adoravas fazê-lo! E eu adorava que o fizesses. Fomos dois monstros juntos: Eu enchia-te a casa de sementes e tu punhas tudo a germinar. Ocupavas-te de tudo o que germinava. Não fizeste amigos: construíste um lar de gente boa. Foste colo e fonte, tanta água em terra árida!
Dizias “chão” como quem diz terra e gente e ideias e respeito e amor. A tua cerca era o teu chão, de onde tudo isto emanava. És o chão e tudo o que dele brota.
Foste o meu chão. Todos os sabores e cheiros e cores do Alentejo, a fusão da bonomia com a sabedoria, os coentros frescos, os pimentos assados (cobertos de molho, que eu nunca podia fazer), és todos os verões felizes da minha vida, ao luar e ao sol tórrido, és uma família feliz à volta de uma mesa farta. És pão e vinho – o alfa e o ómega de todos nós, por muito que andemos.
 Por isso, agora, vou ficar aqui à espera que me voltes a dizer:
 – Maria Eugénia, traz esse Margaça e anda p’ra mesa!
 – Já vou. Xico, já vou! Tem calma! – E ficarei a repetir isto por muito tempo, prometo. E eu não prometo em vão, tu sabes que não.

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