Olha, Portugal, fiz de ti um poema
Enquanto esperava que chegasses
Que para afrontar estes medos
Inventasses um esquema
Despontaram-me longas unhas nos dedos
E com elas esventrei palavras
Guardei-te numa espécie de poema.
Escolhi a pátria triste do meu pai
Para te guardar o P
Escolhi uma oração solene
Que te redimisse d’ ódio
Para te guardar o O
Escolhi rios, riachos e um rumor que
corre
Para te guardar o R
Escolhi o pão que se divide com um amigo
E um imenso campo de trigo
Para te guardar o T
Escolhi o arrojo de Ulisses
Para te guardar o U
E a passarola de Gusmão
Para te guardar o G
E a alma de um poeta
Para te guardar o A
Ah, e escolhi o teu fim, Portugal
Para te guardar o L.
Escolhi sonhos e memórias do mar
Mães e pais e filhos para amar
A linha do horizonte
E a travessia de uma ponte.
Queria ver-te navegar mais livre
Nesse mar que te arrasta
E te devolve mais forte
Que te garante a vida
Desfigura e afronta a morte.
Olha, Portugal, não é por mal:
Vai-te! Quero ver-te partir!
Proscrito refarás este mapa
Onde uma memória de domínio
Há muito te mata.
É chão prescrito,
É fonte que secou!
E um mundo novo te escapa.
Não deixes, Portugal!
Tira-te dessa incómoda carraça
Não vais lá de caravela, de bravura
insana
Fé inabalável ou apelo à raça.
Vai-te Portugal, faz-te à vida!
À vidinha, sim senhor!
Leva a ciência, a tecnologia, a mão-de-obra
barata
Os artistas e os doutores de gravata,
Uma rima básica, o que for!
Mas não te fiques, Portugal
Que esta terra que sonhaste não ata nem
desata:
Mata. E alimenta-te de rancores.
Já sabes que é assim:
Uma pátria constrói-se de suor, lágrimas
E o raio da saudade que te parta!
Não te fiques, Portugal,
Eu quero ver-te partir feito em lágrimas
Eu quero ver-te chegar
Quero que regresses desse infinito mar,
Portugal.
Trago-te guardado dentro das palavras
Que (ainda) recordo como nossas.
Vem, Portugal, vem logo que possas,
Não é pela saudade
(Que disso não há quem nos cure)
É que tenho as unhas grandes
Dava-me jeito uma manicure.