quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Não me sais da cabeça

Já tentei todos os processos humanamente possíveis para te contactar, mas parece que, desta vez, é mesmo a valer, é isto o grande corte, o inevitável fim, é a isto que sabe um coice com dois pés bem juntinhos. Tomaste essa irrevogável decisão de me barrar todos os caminhos para contacto contigo (poderias ter optado por me barrar com manteiga de amendoim, que eu deixava, e sempre sabia a qualquer coisa).

Pois, faltava-me, então, tentar isto.

Sim, é contigo que falo! Vou usar esse maravilhoso recurso de construção narratológica metaléptico, para te interpelar a ti, caro leitor, como fazem os grandes mestres da nossa literatura e alguns directores de marketing de supermercados, com resultados igualmente extraordinários. Um crítico americano do norte chamaria a esse recurso da interpelação do leitor “premeditated intercourse with the reader”, pois muito bem, eu vou ser cuidadosa e usar o melhor método contraceptivo para o/a meu/minha querido/a leitor/a. Ou não. Posso optar por ser naturalmente parva, coisa a que já te habituaste e não te sentirás lesado/a.

E então, como te estás a sentir, até agora, na qualidade de referente maior deste texto? Repara como sou cuidadosa com as questões de género! Não te encontras já mais envolvido/a _ seguramente que sim, só por isso é que te cresce uma esperança de teres uma participação meritória em tudo isto!

Ah, espera, tu não podes responder… Ou seja, posso dizer o que muito bem entender, que não existirá contestação alguma! Soberbo! – Ou talvez nem tanto – partindo do princípio que tu não és o meu diário, nem o meu espelho, custa-me a perceber porque é que ainda não arrumaste este pedaço de lixo construído com falinhas mansas… Espera! Já sei por que ainda aí estás: é por causa do título! É isso, não é?

Pois, é verdade, só te interpelei para te dizer o seguinte: o facto de não me saíres da cabeça per si não é coisa de grande serventia para ninguém, nem se deve fazer disso grande alarido. É verdade! É genuinamente verdade: não me sais da cabeça. Nem tu, nem a música do pingo doce que ouvi hoje de manhã num anúncio da rádio. E isso não quer dizer que eu goste da música do pingo doce. No entanto, a música do pingo doce pode trazer-me mais vantagens do que tu. Porquê? – Perguntas incrédulo/a – porque deve haver uma brecha na lei que me permita processar os directores de marketing do pingo doce por danos psicológicos causados (espero, aliás, com todas as minhas forças que assim seja!).

E tu, que também não me sais da cabeça, que garantias, que vantagens me dás? Dir-me-ás? Dito de outra maneira e transpondo o assunto: Que vantagens tem, afinal, este recurso da interpelação do leitor? É distraí-lo do essencial? – Isso é muito bonito dito, quando se dá o caso extraordinário de um texto conseguir transmitir algo de essencial (nenhum dos dois aqui presentes se vai pôr a sonhar com essa hipótese, agora!)

Por outro lado, poderá haver algo a tirar de toda esta retórica pseudo-vazia (só que aí o pingo doce tem mesmo que me pagar honorários por esta magnífica campanha que faço junto de ti, junto do teu coração, caro/a leitor/a!). De facto, repara: se os dois continuamos a suportar-nos com esta frequência, se tu efectivamente não me sais da cabeça, é porque a tua essência é boa. Da minha, no entanto, deves sempre duvidar. Até porque te hão-de dizer que digo isto a todos/as.

E é verdade: não me sais da cabeça!

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