Cheguei a Portugal há mais de um mês e desde essa data, tenho tido imensas sugestões de espírito para escrever, mas a verdade é que me falta tema. Verifico com muito agrado que a chuva tem sofrido do mesmo problema de inércia que eu. Assim, deliciada com o pedacinho de Verão que me foi reservado, penso que tal como eu não tenho sentido falta nenhuma da chuva, também ninguém terá sentido com pesar a minha ausência. Mas lá vem um dia em que a chuva cai, leva em enxurradas aquilo que não queremos e deixa limpa a face essencial do que aprendemos.
É verdade que o tema metereológico não é de grande serventia aos corações que pulam ao ritmo de metáforas e que se pelam por um grande aforismo ou uma rima básica. Não é menos verdade que só se fala do tempo, quando outros assuntos escasseiam ou quando entramos num elevador que sobe mais do que uns três andares, e ainda assim, tem que ser o elevador do prédio onde se mora.
Será a homonímia de algumas palavras lançada ao acaso no nosso léxico? Assim, pergunto: haverá entre a palavra “tempo” e a palavra “tempo” uma união de significado, para além do seu grafismo e da sua fonia? Quando eu disse “tempo”, da primeira vez, a que “tempo” me referia? Quem pensou no tempo atmosférico e quem pensou no tempo cronológico? E eu, em que tempo terei pensado? Como se compara o tempo com o tempo, e como se separa?
Eu gosto de Estações. Acho que foi com o tempo que faz em cada Estação que eu fui aprendendo e entendendo a passagem do tempo. Acho por isso que há uma enorme relação semântica entre as duas palavras. Mas provavelmente, essa relação existe para mim e para as pessoas que, como eu, vivem demarcadamente num dos hemisférios… Para quem mora em regiões do mundo com apenas duas Estações, suponho que o tempo leve mais tempo a passar. Pela experiência que tenho de uma breve passagem por uma região dessas, sinto-me muito tentada a acreditar que sim.
E pronto, era isto. Não tinha nada para dizer e pus-me a falar do tempo. Tudo normal, portanto, no Hemisfério Norte. Mas entretanto, reparei no seguinte:
Ontem choveu. Não sei se mais alguém deu por isso, mas ontem choveu muito! Choveu tanto que eu vi o estado do meu coração: pareceu-me escalavrado e atribuí isso à falta de pluviosidade. Mas não é por estar escalavrado que um coração deixa de bater. Também não é por estar calor que o Outono deixa de acontecer. O dia de hoje, por exemplo, cheirou muito a castanhas assadas.