Numa loja de bugigangas da Hermanstrasse um ramo gigante de balões coloridos balança incertezas no ar. Na minha memória, como que por acaso, uma agulha cai no vinil e, certamente numa rotação errada, oiço isto: “99 Luftballons”. Fiz o resto da avenida acompanhada por essa melodia resgatada aos anos 80, cruzei para a Emser e entrei em casa, sempre com esse ritmo por companhia. Esse verso único, ainda cá está a meter-se entre as palavras que quero escrever que nada têm a ver com ar, com balões ou com a Nena, que como anunciava uma revista no quiosque da esquina, já é avó.
“99 Luftballons” – que poderei fazer com este número? – Penso. – O que se faz com 99 balões, senão lançá-los ao ar e formular desejos? A ideia não será original e acho que era mais ou menos isto que dizia a canção.
Mas agora que estou aqui apetece-me voltar à loja e lançar todos os balões ao ar e pensar em cada momento, em cada rosto, em cada gesto, em cada abraço, em cada beijo, em cada palavra aprendida com prazer, em cada garrafa de vinho partilhada com amigos, em cada rua percorrida, em cada parque, em cada bar, em cada sonho partilhado com amigos, em cada grupo de punks de Friedrichein ou de junkies de Kottbusser Tor, em cada manifestação de rua, em cada pessoa-garrafa, em cada vizinho que me cumprimenta com sorrisos, em todos os que não o fazem, em cada telefonema em polaco de um dos vizinhos da frente, em cada gato do lar de gatos do rés-do-chão do meu prédio e na sua felicidade por desconhecerem a ASAE, em cada parede da minha casa e nas janelas sem cortinas e sem persianas, em cada janela sem persianas e sem cortinas dos vizinhos da frente, em cada espectáculo partilhado com amigos, em cada texto que escrevi, em cada livro que li, em cada filme que vi, em cada museu que visitei, em cada viagem que fiz, em cada falafel que comi no libanês, em cada casa de kebab que me enjoa, o que equivale a dizer em cada esquina de Neuköln (que nunca me enjoou), em cada restaurante de Sushi, (principalmente aquele pequenino da Oranianstrasse, em que o japonês escorraça os clientes, quando tem mais do que quatro), em cada Currywurts que me deixou maldisposta, em cada cerveja de trigo, em cada momento de desespero com a burocracia alemã, em alemão; em cada alemão que conheci, em cada turco (principalmente o filho do padeiro, que insiste em contar-me as brincadeiras que faz com as irmãs), em cada persa, em cada israelita, em cada palestiniano e também naquele rapaz de Moçambique; em cada pastor alemão que vi na rua e também no cão d’água do Obama que vi nas notícias da televisão do metro, em todas as notícias parolas e nas outras, que mais valia esquecer; em cada nome de rua que esqueci, em cada momento em que deambulei e me perdi na cidade, em cada frase que ouvi dia a pós dia repetida: “Zurück bleiben bitte”, como num enigma que agora decifro. Enfim, apetece-me pensar em cada aprendizagem que esta cidade me deu, só para ver, se tudo somado, dá 99 ou nove vezes 99, mas com a certeza que essa soma é mais, muito mais do que um número registado num livro de balanços e que tudo o que desejo é não perder a memória desta cidade.
99 Luftballons que me mantenham a levitar e, principalmente, me ajudem a respirar de novo em Berlim. Talvez volte de balão 99 vezes, ou talvez perca a conta das visitas. Certo ou quase certo é que sempre que vir um balão, pensarei em ti, Berlim.
Como entendo. Essa cidade nunca te vai deixar em paz, acredita. Estara sempre la.
ResponderEliminarQuando a visitares, vai ser ainda mais surpreendente, porque se calhar muda ainda mais do que tu.
Partiste de vez?
Eu ja parti em 2002, mas para mim nunca sera de vez.
"Ich habe noch einen Koffer in Berlin" - Dietrich
Beijos