São onze da manhã de um dia qualquer e eu sinto-me bem. Isto é uma advertência a quem possa duvidar do meu estado emocional. Sinto-me bem e tenho consciência disso. É inoportuno sugerir que se não tivesse consciência me sentiria ainda melhor. É ineficaz argumentar que mais vale não saber, não querer saber, não me doer, não me ofender, porque quem não se sente não é de boa gente, e eu sou.
Sinto-me bem porque vivo num país de promessas muito bem desenhadas, que se estava mesmo a ver que eram só promessas, num país feito para ser desfeiteado, mas que nem isso conseguiu fazer sem ajuda externa. Tudo muito bem delimitadinho há séculos, pelas suas fronteiras (arte suprema deste país: a cartografia que se exibe em museus e que não serve para nada, a não ser pôr-nos a sonhar com aquilo que já lá vai!), aqui nos encontramos em pleno exercício de convulsões de uma doença grave: a esperança no futuro. E sabendo que, logo que acabe a febre, nascerá uma outra bem pior: a falta de crédito no presente. Sim, é isto o futuro. Não me venham visionários dizer que é para além disso, que eu arremesso-lhes com um tsunami (mar para isso não nos falta e, se lhe dá para se revoltar, acaba de vez com isto e pronto. Fica a batata quente bem entregue, alastra este mal Europa acima e ficam os espanhóis com os louros de serem finalmente a irredutível cauda deste continente com a puta da mania da responsabilidade e inviolável conduta, de espezinhar e segregar todos quantos não se entendem na riqueza especulativa dos mercados do nada da variação do spread, que é ilusória, tudo muito bem, mas quem é que disse que a ilusão não alimenta?! Ah?!
– E já agora, quem é que diz que alimenta? Ah?!
– Dominique quê?! – Strauss?!, Angela Merkel?, Nikolai Sarkozi?, Timo Soini?, George Osborne (o tal que acusa Sócrates de se ter importado demasiado com o seu quintal, mal sabendo que não havia nisto metáfora alguma!), José Sócrates?! – mas quem é esta gente? - Uma corja de fazer corar os Bórgias, mas que em menos de duas décadas ninguém saberá quem são, porque tão habituados estão a foder mal, que se esquecem que isso implica prazer e que até para se ter prazer é preciso ter talento, e neste conceito particular todos possuem apenas a variante da antiga moeda de ouro dos gregos e romanos: têm montes de talento nos bolsos e nenhuma aptidão natural ou adquirida para o êxito desta palhaçada toda que se chama Europa!
Por mim, colocavam-se todos em filinha, à frente do senhor Strauss (que ao deboche nunca se negaria!) num exercício desajeitado de sodomia (Merkel incluída, nesta bicha, munida de todos os seus argumentos de aço e arame farpado para que arranhe bem, de preferência o cu do Sarkozy, até que o sangue escorra e se afogue nele!), a ver se finalmente percebem como fodem mal, como são tristes por estarem tão condenados à indiferença da história! Vão com sorte se a imortalidade lhes chegar por aqui, por esta execrável imagem de depravação, que é o que eles merecem e é por isso que se batem, quando dizem que se batem por alguma coisa!
E tu, que ainda aí estás a acabar o teu riso, a tua estupefacção, a tua indignação de pessoa de bem, muito educadinha, que até vestiu o fato de domingo… Para quê, ah?! – Para te pores também na fila?! – Ah, mas a ti, ninguém te toma por lorpa, meu grande espertalhão! Mostras preferências requintadas, não é qualquer posição que te serve, dás o golpe na fila, empurrando uma ou duas figuras que lá apareceram à socapa, até fazes um rap com isso: Lino Pino Lino Pino, e zás! – enfias-te mesmo à frente do Sócrates, porque já lhe conheces o jeito para te enrabar, não é meu mandrião? Pois é, há que jogar pelo seguro, que nós aqui somos todos gente honrada e respeitadora e nunca atrás vem melhor. Pois não, meu calaceiro, atrás não vem melhor porque atrás está o MESMO, ou a sua CÓPIA (ou ainda não estás a reconhecer o órgão que te põe a ranger de dor, sua porta de aldrabas velhas!? Será que o queres mais dentro?).
– Queres que te diga? – Ficas bem nessa fila, no teu fatinho impecável com as calças descidas até aos calcanhares
– Não sabias, ao menos, segurá-las nos joelhos, meu concupiscente assanhado!? – Ficas tão bem tu aí, como eu aqui, a ver-te entrar nela de peito erguido, cheio de ti, preparadinho para encher ainda mais! Anda lá, entra nessa, que eu vejo e continuo a sentir-me bem!
Olha lá para mim a sentir-me bem por tu estares aí e eu a ter o que dizer de ti! Olha como eu gosto de deixar aberta a torneira da malvadez e de te regar até que te afogues ou dês aos bracinhos e às perninhas! – A escolha é tua! Tu é que sabes! – O meu trabalhinho é este. Faço-o melhor que sei, vê bem, o melhor que sei é isto! E não, não li Sade, ainda não! E sabes porquê?! Porque para te ver a ser enrabado consecutiva e continuamente não preciso da literatura para nada! Preciso é de olhinhos e esses, bem ou mal, ainda te conseguem ver, mas só até ao dia em que não te suportem ver, meu código de barras desfocado!
Mas tu não és eu! Tu precisas de literatura e de livros que te encham a barriguinha do pensar, do bem pensar! E vê lá, não te distraias! Os livros andam a ser abatidos! – Ai não sabias?! Não sabias que numa das pinocadas destes senhores que nos governam (só podem fazer aquilo distraídos ou a gente muito distraída), saiu uma lei de incentivo ao abate ao livro?! – Não, não é de carros, isso ainda é complicado, que eu já tentei e não deu. É de livros! Livros abatidos por senhores que os mandam fazer e, depois, fazem de tudo para se desfazerem deles. Quanto mais rápido melhor, quanto menos pessoas souberem da sua existência, melhor! Por isso, vê lá, vai a correr a uma livraria e pilha tudo quanto puderes! – Caros?! Se são caros, por que os abatem? Por que não os dão ao desbarato? Já que não dão pão, ao menos livros, que parece que neste país de pançudos, pão não há, mas no mesmo país de iletrados, os livros são uma praga digna de erradicação!
É, sem dúvida, um país de génios! Esquecemo-nos é que os génios também têm fome! Mas não te preocupes, que eles explicam-te tudo direitinho, explicam-te, outra vez que isto é o mercado, que isto é a economia a funcionar e tu envergonhas-te, coras, por não saberes nada de economia, e voltas para a tua filinha a dar-lhes razão!
– Olha que, o verdadeiro brilhantismo deles não é porem-te na fila, é que TU te ponhas lá de livre e espontânea vontade e dês o cuzinho uma e outra vez até que ele desista dessa mania da escatologia e que seja por aí que TU começas a pensar: pelo fim!
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