segunda-feira, 7 de junho de 2010

Estado Geral de Cumplicidade

Sei cá de uma história em que

Um jovem lavava os pés

E encontrava o seu primeiro amor

(Descalço)

Encontrava o seu único amor.

Os sapatos que um dia viu numa cena de um filme

(em que um piano ardia)

Nunca se lhe ajustaram à vista

Nunca se lhe ajustarão aos pés

Esses pés limpos que sempre caminharam

Nus

Ajustados ao chão que pisavam livremente.

Eu, que até uso botas e lhes mudo as solas

E que em criança encomendava sandálias a um sapateiro mentiroso

(o mesmo que, no couro, cosia bolas)

Também trago os pés limpos, rentes ao chão

E sei de cenas de filmes em que ardem pianos.

Parece pouca cumplicidade, mas não

Sou tão cúmplice e responsável com pés limpos

Como com esta luva que me esconde a mão

Onde grita o medo e a opressão

Dos que vivem ali, naquela longa Faixa

Afastando dia-a-dia os escombros que foram casa

Aturando a perfídia de altos fazedores de luvas

Que escondem o sangue das mãos e esmagam Gaza.

Sou cúmplice porque me calo e cúmplice porque falo.

Tenho um certo estado de felicidade

É verdade.

Mas isso não me iliba de cumplicidade.

1 comentário:

  1. acho pertinente e impulsionador à reflexão, à acção a que ja nos desabituamos porque já fechamos os olhos e a alma ao que é "habitual" acontecer no mundo que devemos achar que é só deles, dos outros.
    E somos cumplices sim, talvez duma forma tão pecaminosa qt à deles, dos senhores das luvas.
    Seremos mais até....pq eles acreditam que o fazem por causas justas, ideológicas, culturais, etc...mas nós temos consciencia que não é assim, nós temos consciencia dos valores da vida alheia, da liberdade de expressão.
    ainda assim....calamo-nos

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