Não raras vezes, sinto vergonha
por atitudes alheias: é o escarro no chão, é o trapaceiro na fila de trânsito, nos
correios, nas repartições públicas, ou onde for; é o comentário despropositado,
é a ironia perdida, é o literalismo cego, é o piropo bronco, é o “saloiísmo”
agudo, é o pseudo-intelectualismo grave, é a falta de escrúpulos, é o avolumar
e o aplauso massivo da vulgaridade, é a falta de vergonha na cara, é essencialmente,
a falta de cara, de rosto, de bom gosto, de bom-tom, de bom-senso!
Os últimos labirintos excrescentes
dos nossos representantes institucionais enchem-me de vergonha.
Tem-se extrapolado demasiado sobre a ameaça
que representa a falta de sentido
democrático desses atores do vazio, dos perigos da Europa a duas bitolas, da
galvanização do poder da Alemanha sobre a Europa do sul. Fala-se muito de tudo,
na verdade. Fala-se tanto, que nos esquecemos dos imensos silêncios incómodos
de quem tem que forçosamente calar.
Não se fala da vergonha porque a vergonha
não se põe em textos, nem em imagens, nem nas bocas dos pleonásticos comentadores
políticos, que não sabem o que isso é. E não se percebe globalmente que a
vergonha é aquilo que se armazena na antecâmara do medo, esse glutão.
Eu tenho
vergonha da (boa?) reação dos mercados à política de continuidade do nada, do
psi 20 em alta, dos indicadores macroeconómicos espremidos e organizados em
trimestres, das contrações e rebentamentos d' água da zona Euro.
Eu tenho vergonha por esta gente
que me representa, que faz que age, que faz que faz. Eu tenho vergonha na cara
e apetece-me escarrá-la na cara deles. Eu tenho vergonha
de ter vergonha e de vir a saber o que é o medo.