De hoje a exatamente um mês tenho uma
estreia. Falo disto não como se fosse uma personagem ou um alter-ego, a
enunciação de um delírio, ou a construção sarcástica de uma opinião, como tenho
tantas vezes feito neste blogue. Falo disto porque é real e porque quero que
saibam, que apesar de a crise não exercitar minimamente a criatividade (nem na cozinha, como li outro dia da voz
do Gonçalo Waddington) e de nos estar a privar de quase tudo (a mim muito
particularmente), ainda há duas coisas que vão resistindo, sem grande
estoicismo, diga-se: o amor e a arte.
Agora que falo nisso, lembro-me que
talvez uma coisa não exista sem a outra. Sem querer ser prolixa, mas já sendo,
vou clarificar esta ideia: não há arte sem amor, assim como não há amor sem
arte. Não estou para discutir o que é uma coisa ou outra: todos entendemos a
sua irritante incompreensão e todos aceitamos a sua existência. E claro que
quando digo todos refiro-me a um
número cada vez mais reduzido de gente, com uma louvável permeabilidade a
alguma beleza.
Sim, de hoje a um mês tenho uma
estreia. Eu e mais “meia dúzia de líricos”, que insistem neste país, que ainda
não desistiram de aqui fazerem gente: a Alcinda que vem dos Arcos de Valdevez
(de onde eu sou e ela não), O Sérgio que vem da Póvoa do Lanhoso, de onde
poderia vir de transportes públicos, se os houvesse neste país; A Sameiro, a
quem os dias nunca sobram, mas que é gente de sobra para os dias; o Fidalgo,
que há uma vida que saiu do Alentejo e que aqui vive com a mesma parcimónia com
que, seguramente, o faria lá; O Luís, para mim um privilegiado, porque pode
veicular a sua arte e o seu amor (pela arte) em terreno talvez ainda fértil,
porque ensina, porque transmite e porque (estou muito segura disto!) é capaz de
o fazer soberbamente. E o Braga, que é de Braga e tem a particularidade de não
gostar de teatro - e a lata de o dizer- enquanto prepara as luzes; O Paulo a
dar-nos música com tanta humildade e um entendimento maior… E o Afonso, que
sabe que o teatro é a maior arte do mundo e sabe-o com muita alegria e muitos
medos e tanta dor!
De hoje a um mês todos temos uma estreia.
Gosto de repetir isto. Gostava muito que o país onde vivo percebesse a alegria
que isto é, sentisse a alegria que isto é, sentisse que isto existe, que isto é
verdade, é autenticidade, que isto é ser-se humano, que isto é teatro. Se não
fosse o país inteiro, gostava que pelo menos os amigos percebessem isto. Os
amigos que, exatamente, de hoje a um mês inventarão mil desculpas para não irem
à estreia, desculpas que lhes darão mais trabalho do que estar lá… Que se amanhem
todos nas suas prioridades! - Continuarão a ser meus amigos, por isso é meu
dever avisar-lhes: olhem que de hoje a um mês é dia de estreia! (E eu não volto a avisar).