Nada consegue ser tão repetitivo e (ainda assim) tão inesperado como partir e chegar. Nada é tão perfeito como esses dois momentos que nos põem tristes e alegres sem mais nada. É geralmente aí que sou feliz: na imperfeição de um abraço que tão depressa se forma como se desfaz. O tempo desse abraço é o meu tempo. Se mo tiram deixo de fazer sentido. Ando aqui a coleccionar esses momentos, que muitos julgarão como pontes para o que é maior. Eu julgo que nada há de mais verdadeiro do que os incorruptíveis momentos dos abraços. Partir e chegar, atamarelada num abraço, é o que me dá continuidade.
Um dia, tu deixas de partir e de chegar e o que é fácil, simples e claro, toma progressivamente o seu sentido inverso. A partir desse dia, tu existes, mas és uma multidão a sair do nosso quarto, da nossa cama, sem contar com a multidão que eu também lá arrumei entre as dobras dos lençóis e alinhei nas primeiras rugas do rosto. E quando sinto a água cair do chuveiro, só sinto a água a cair do chuveiro. Não espero que venhas beijar-me na despedida. Já nem vislumbro a despedida. E quando a chave entra na fechadura da porta de entrada, só sinto a chave a entrar na fechadura da porta da entrada: uma, duas voltas e (acto contínuo) passos arrastados que, de tão pesados, parecem vazios.
Não sei quando deixo de te sentir partir e chegar. Sei que a palavra sorriso se esconde num léxico indecifrável. Ninguém sabe quando acontece, porque entretanto, fomo-nos deixando estar, como pássaros dentro de gaiolas, a ver a luz por entre traves. E deixamo-nos estar porque, assim, na fímbria de um quotidiano inventado por outros, tudo nos parece impossível, doloroso, mas lógico, como na expressão sombriamente dúbia : pão pão, queijo queijo. Escolha muito infeliz de pares: às vezes, pão não há e queijo também não. Às vezes, nas relações, nem se chega nem se parte e tudo me soa mais ou menos a isto: bird bird, cage cage.