Acabo de ler na revista ípsilon, suplemento do jornal O público um artigo sobre como o sexo é mal tratado na literatura portuguesa, sobretudo, no espaço europeu. Eu concordo com muito do que li no artigo, mas terei algo mais a acrescentar, de outra forma não me punha a escrever sobre o assunto. Por exemplo, dizer (como disse antes) “espaço europeu”, em vez de “Portugal”, neste contexto, é a mesma coisa que dizer “montra viril masculina”, em vez de “caralho”, ou o “carnudo rubi feminino” em vez de “crica inchada”. Só por esta minha gentil amostra se deve perceber qual é o fundamental problema de se escrever sobre sexo em português: as palavras ou saem eufemística e pateticamente manchadas, ou indelicadamente obscenas. Em suma: escrever sobre sexo na literatura portuguesa é “piroso” , porque nunca se saiu de um desses dois registos: de um lado, um chorrilho de metáforas da vergonha fanaticamente imposta pelos anos da ditadura, e do outro um afoitamento rude desconcertante, que deixa os leitores indecisos entre parar de ler e rasgar a página. Já me aconteceu e seguramente já aconteceu a outras pessoas.
Felizmente, nas palavras dos bons escritores, isto é de interesse manifestamente reduzido, o que não quer dizer que não seja estranha a insistência na exploração do tema, quando já se sabe que este complexo existe. O que o artigo do Ípsilon não explora, é precisamente este ponto: serão as passagens sobre sexo que são más, ou serão apenas os leitores que estão mal habituados? Será o complexo das más passagens de sexo, um complexo de quem as escreve ou de quem as lê? Ninguém explorou, por exemplo, as traduções que foram feitas dessas passagens e as opiniões de não-falantes de língua portuguesa sobre este assunto. Também não foram dados no artigo exemplos maravilhosos da literatura francesa ou inglesa ou japonesa, em todos os casos (principalmente no último, por razões óbvias) tudo o que me chega é em português e consta que não faltou léxico a quem traduziu essas passagens dessas línguas soberbas, supostamente mais adequadas para tratar, minar e descrever momentos de prazer e êxtase.
O que é que tem de melhor uma “buceta” na boca (salvo seja) do João Ubaldo Ribeiro, um “pinto irado” nas mãos do mesmo escritor (a quem reconheço uma notável capacidade para, não só, abordar como para esmiuçar o tema), ou uma qualquer cena exaustivamente explícita e profusamente descritiva de um aclamado Philip Roth (que parece querer chocar pitorescamente a burguesia americana, insaciável na exploração do tema, como quem ensina o padre-nosso ao vigário), do que a confusão entre poder e sexo numa personagem de Cardoso Pires, por exemplo, onde o que interessa não é a imagem (à Roth) das pernas arremessadamente abertas (“her legs flung apart”), mas o que um inspector vê: “os tornozelos de Mena aparecerem-lhe numa claridade exacta, impecáveis”. Importa mais que a composição seja “impecável” do que se mova impecavelmente. Eu, enquanto leitora, não me importo nada de pôr os tornozelos a moverem-se como bem entender, até porque, quando me dá para a preguiça do acto de leitura (que considero, por vezes, extenuante), vejo filmes maus. E não me interpretem mal: gosto igualmente dos dois actos.
Em suma: ler uma boa passagem sobre sexo não tem que ser excitante, cansativo, ou invocar Gregório. Ela pode, no entanto, ter isso tudo e ser, ainda assim (ou talvez por isso?), uma boa passagem sobre sexo. E não, não me parece que lá fora se faça isso melhor do que aqui. Nem que haja pobreza na criatividade do acto dentro de portas. Lá porque não nos dedicamos a explicitá-lo, por dá cá aquela palha, não quer dizer que não o invoquemos com igual ou superior fervor… ou tusa, como preferirem.