Há pessoas que valem o seu peso
em ouro, costuma dizer-se. Outras há cuja dimensão transcende o tempo, ofusca o
brilho desse almejado metal precioso e, ao invés de se porem a tentar mover
montanhas, sobem-lhes aos cumes, aproveitam a vista para o mundo e incorporam-nas,
movem-se com elas. Metem-se no mundo, de novo. Há pessoas que a si próprias se
dão à luz. Espanta-me que não se ensine isto na escola, ao lado do abecedário,
dos mapas das terras, da tabela periódica, da fotossíntese… Espanta-me,
deveras!
Se nunca ouviram falar do Padre
Himalaya, é sobre vós que cai o meu espanto. Não é pela sua altura, é pelo seu
tamanho; não pela sua barba frondosa, mas pelo seu rosto limpo; muito menos
será pela circunstância do cabeção ao pescoço, ou por qualquer sentido moral
imposto. Não é pelos seus inventos, pela sua visão ambientalista antecipada, no
uso das energias renováveis, em detrimento das fósseis suicidas; não é pela sua
profética visão no curso da humanidade. Não me espanta que tenha arrastado o
fogo do sol até si, que quisesse separar os componentes do ar, que se tenha dedicado
à herborização, à medicina, à hidrologia, ao nutricionismo, à educação. Às
gentes. Nada disto me espanta, embora se congregue num só ser humano, e isso
seja digno de espanto.
O que me espanta é que nunca
tenham ouvido falar, que não vos tenha sido contado nos serões de Invernos
longos, que um professor não vos tenha pedido uma dissertação, que a data do
seu nascimento não seja por todos sabida de cor, que não se lhe tenha dedicado
um dia feriado, que junto das suas estátuas e bustos não existam museus,
centros de estudo, escolas, teatros e, que junto ao templo de devoção, que é
toda a natureza, não cresçam árvores com o seu nome, que os terrenos não sejam
adubados com sacos cheios da sua sabedoria. Na verdade, é isto que mais me
espanta: que não seja reconhecido este homem que, de tão grande, só podia ter
consentido o seu cognome Himalaya, como o cume do mundo.
Mas não se julgue que o espanto
se abate, apenas, sobre mim. No passado dia 29 de Setembro encontrei-me a caminho
de Sorède para a inauguração de uma réplica do segundo Periliófiro (forno
solar, assim chamado porque convoca o sol) feito pelo padre Himalaya, naquela
zona dos Pirinéus Orientais, em França. Foi uma viagem cheia de gente que se
espanta, que se comove e que mais do que pôr-se a caminho é, tantas vezes, a
própria estrada que leva aos sentires humanistas do padre Himalaya. Uma equipa
encabeçada pelo Professor Jacinto Rodrigues, incansável na busca de novas
pistas que o levem à descoberta contínua do percurso do homem, do cientista, do
ambientalista Manuel António Gomes, o MAG Himalaya, como gostava de assinar. E
mal não faria se assinasse MAGO, acrescento eu.
Os franceses podem continuar a gabar-se
das descobertas de talentos portugueses. Em Sorède não há quem não reconheça o
nome e tenha uma história para contar. Fez-se poesia com o nome do Padre
Himalaya. Cantaram-se cantigas. Subiu-se muito alto por entre carreiros de
cabras, arbustos, mata e árvores. Houve brindes e muitos sorrisos. Estou
convencida de que dentro de muito pouco tempo, o número de visitantes à réplica
inaugurada irá surpreender. Pelo esmero, pela dedicação, pelo empenho e pelo
brio dos amigos de Sorède, não faltarão muitos anos para que o mundo julgue que
este padre cientista (outrora ali tido como bruxo e espião) é francês, sempre
foi dali. Se disserem que nasceu em pleno século XXI também se acreditará. Mais
difícil é fazer crer que nasceu em 1868 ou que brincava às parabólicas ali no
início do século vinte…
Eu, que sei dizer Himalaya,
antes, muito antes, de imaginar que isso era nome de montanhas não me surpreendo,
nem me aborreço com isso. Muito pelo contrário. Embora tenha nascido em
Cendufe, como eu, aquele homem é, como eu, um cidadão do mundo. Um homem que se
deu à luz, e que aos da luz pertence.
Ao Jacinto, à Rosa, ao Alfredo, ao
Diomar, à Milinha e a mim própria pertence. Assim como nos pertencerão sempre
as memórias desses três dias que nos levaram a Sorède. Assim, só porque
quisemos ver, mais de perto, o sol.
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Comitiva Portuguesa em Sorède, Setembro de 2016 |