quinta-feira, 7 de março de 2013

Primeiro, a mulher


Sempre que digo mulher, penso: mãe. Mas nem sempre que digo mãe, penso mulher. Este pensamento é cru, tão cru que custa a roer. Mas, ao contrário do que somos levados a acreditar, não é natural: é fruto da educação.
 Nenhuma mulher é completa, se não for mãe: Esta espécie de premissa foi-me entrando pelos anos dentro como uma acusação. E julgo que uma boa parte de mim a assumiu como lei, uma parte inteligente (felizmente), certamente a mesma parte que me diz que sou mulher e sou inteira, apesar de não ser mãe. Tudo é laboriosamente posto a germinar no mesmo espaço, um espaço a que vamos pertencendo com maior ou menor convicção. Este espaço que me obriga a ser mãe para ser mulher é o mesmo que me obriga a emigrar para ter pão, o mesmo que não acha compatível ser-se de uma aldeia do Minho e escritora (como já me foi dito), o mesmo que me pune por exercer o livre-arbítrio e não acompanhar modas, nem politiquices, nem lobbies, nem coisa nenhuma que se imponha ou insinue perante mim com o odor da perversão.
Não sou mãe, sou mulher.
Falta-me, portanto, o privilégio de dar ao mundo um ser único e de lhe dar os retoques que me apetecer na sua personalidade, na sua singularidade. Não me faltam as angústias e os medos, as frustrações e a ansiedade, a alegria ou o desespero e o amor de qualquer mãe. A mãe é um ser maravilhoso. É sim, senhora, confirma-o a minha própria mãe, mas isso é porque a minha mãe é, por acaso, uma mulher extraordinária. Por isso, o que eu tenho é a honra de testemunhar a existência de uma mulher maravilhosa, que por acaso é minha mãe. É a mulher que a minha mãe é que a torna especial e não a mãe que torna a mulher especial, por muito que a maternidade tenha o poder de transformar - e acredito que sim - ninguém fica com a personalidade favorecida por ser mãe.
A apologia das mães como um ser supremo dentro da humanidade sempre me causou uma certa espécie. Sempre me pareceu uma forma generalizadamente preguiçosa e desinspirada de elogiar o feminino. E mesmo que este seja o grande porta-estandarte do universo feminino, eu tenho para mim que as mães, todas as mães, quando se esquecem de ser mulheres para serem apenas mães são infinitamente chatas, desinteressantes, despersonalizadas e seguramente muito incompletas.
Pode isto parecer um manifesto anti mamã, mas não, não é. Pelo contrário: isto é um elogio à mulher, à sua beleza e forma, à sagacidade e inteligência, ao seu voluntarismo e capacidade de realizar tarefas múltiplas, ao seu altruísmo e atenção dispersa, e a todos os lugares-comuns que se lhe possam associar, antes e depois de ser mãe, ou sem nunca o ter sido. O que eu acredito é que para que a mãe não seja uma qualquer, é preciso respeitar, primeiro, a mulher.