terça-feira, 29 de setembro de 2009

O tempo passa e, às vezes, também chove…


Cheguei a Portugal há mais de um mês e desde essa data, tenho tido imensas sugestões de espírito para escrever, mas a verdade é que me falta tema. Verifico com muito agrado que a chuva tem sofrido do mesmo problema de inércia que eu. Assim, deliciada com o pedacinho de Verão que me foi reservado, penso que tal como eu não tenho sentido falta nenhuma da chuva, também ninguém terá sentido com pesar a minha ausência. Mas lá vem um dia em que a chuva cai, leva em enxurradas aquilo que não queremos e deixa limpa a face essencial do que aprendemos.

É verdade que o tema metereológico não é de grande serventia aos corações que pulam ao ritmo de metáforas e que se pelam por um grande aforismo ou uma rima básica. Não é menos verdade que só se fala do tempo, quando outros assuntos escasseiam ou quando entramos num elevador que sobe mais do que uns três andares, e ainda assim, tem que ser o elevador do prédio onde se mora.

Será a homonímia de algumas palavras lançada ao acaso no nosso léxico? Assim, pergunto: haverá entre a palavra “tempo” e a palavra “tempo” uma união de significado, para além do seu grafismo e da sua fonia? Quando eu disse “tempo”, da primeira vez, a que “tempo” me referia? Quem pensou no tempo atmosférico e quem pensou no tempo cronológico? E eu, em que tempo terei pensado? Como se compara o tempo com o tempo, e como se separa?

Eu gosto de Estações. Acho que foi com o tempo que faz em cada Estação que eu fui aprendendo e entendendo a passagem do tempo. Acho por isso que há uma enorme relação semântica entre as duas palavras. Mas provavelmente, essa relação existe para mim e para as pessoas que, como eu, vivem demarcadamente num dos hemisférios… Para quem mora em regiões do mundo com apenas duas Estações, suponho que o tempo leve mais tempo a passar. Pela experiência que tenho de uma breve passagem por uma região dessas, sinto-me muito tentada a acreditar que sim.

E pronto, era isto. Não tinha nada para dizer e pus-me a falar do tempo. Tudo normal, portanto, no Hemisfério Norte. Mas entretanto, reparei no seguinte:

Ontem choveu. Não sei se mais alguém deu por isso, mas ontem choveu muito! Choveu tanto que eu vi o estado do meu coração: pareceu-me escalavrado e atribuí isso à falta de pluviosidade. Mas não é por estar escalavrado que um coração deixa de bater. Também não é por estar calor que o Outono deixa de acontecer. O dia de hoje, por exemplo, cheirou muito a castanhas assadas.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A sinopse

Dois amigos, um de longa data (tão longa que quase nos caduca a relação) e outro bem mais recente (e parece-me que bem mais decente também!:) acham que eu deveria apresentar uma sinopse daquelas de encaixe na chamada "badana" dos livros, para o "Fecha a Porta Devagar". Eu bem lhes disse que disso de livros percebo pouco, mas entre negociações e conversações entre mim, o António, a aprovação do Zé e o olhar atento da Sofia chegou-se a este texto, que é da responsabilidade do António, (o primeiro texto com aspas neste blog!) e que a mim me parece que leva marketing na venta:):

"Num pequeno espaço improvisado, numa cidade estranha, há memórias de infância e mensagens misteriosas no computador, que perturbam, e provocam saídas para a rua numa procura absoluta de um eu...
Ela evoca recordações dos dezasseis anos, dos dias da descoberta do amor... o primeiro, o segundo, o terceiro dia (não por essa ordem, porque não há ordem no amor)…Disse-lhe Paulo: – O mundo é vasto, podes ir, Graça... E diria depois: – Fecha a porta devagar!!...Ela encontrou abrigo em Pablo, pai de Pedro, o filho de Ariana... Passou meses sem distinguir entre os sonhos e a realidade. E com Pablo, Graça/Ariana viveu os destroços de um amor que não era o seu..."


nano-nota: Para quem conhece o livro, mas ainda não o leu, o texto da contracapa é apenas um excerto e não uma sinopse, como poderá parecer e terá efectivamente sido divulgado. Fica o pedido de desculpas aos seis leitores e ao outro número incalculável de pessoas bem-intencionadas que tentaram sê-lo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

M.S.T, esse grande partido!

O M.S.T (podem fazer desta sigla o que quiserem, que eu pouco me importo) é um quase-escritor, que recentemente parece ter editado um quase-romance, onde parece que escreve quase-português como sempre escreveu, pois não está para se sujeitar àquilo que apelidou de forma peremptória e leviana de “acto colonial do Brasil sobre Portugal, com regras não recíprocas”.

O M.S.T, como muita gente que grita horrores sobre o acordo ortográfico, importa-se certamente pouco com o facto de o português ser uma língua viva, saudavelmente viva e que essa saúde vingue do facto de manter, lado a lado durante séculos, tremendas variedades linguísticas, concepções de ortografia absolutamente estapafúrdias, mas conseguindo, ainda assim, ao longo dos tempos, manter um equilíbrio entre a fonética e a etimologia, que só poderá advir de uma reciprocidade tácita (se tivermos em grande conta as palavras de M.S.T. a reciprocidade através de regras e acordos não parece muito plausível) . Estranho é que, com tamanha extensão geográfica e insondáveis discrepâncias culturais, se consiga ainda hoje identificar este idioma em tantos cantos do globo. E, a mim, essa é uma estranheza que me agrada e que me interessa preservar. Aos outros não sei, mas a mim interessa-me.

Se as sucessivas reformas feitas ao português, de um lado e do outro do Atlântico isoladamente ou em conciliação não nos mataram a língua, não há-de ser agora mais esta tentativa de a uniformizar que o vai conseguir, parece-me até que o objectivo é a preservação e não o contrário. Parece-me que outras vontades virão e que as reformas terão obrigatoriamente que se suceder a um ritmo bem mais acelerado do que este a que nos habituámos. Parece-me que não farei esforços desmesurados para escrever segundo as novas regras, porque sei que só o tempo e o uso me deixarão completamente confortável nos novos registos. Gosto de pensar que a língua é um ser vivo, que cresce, que se transforma e que se deixa, às vezes, agarrar por línguas-de-trapo, que a confundem e esmagam, mas que também a rejuvenescem e alimentam. Gosto disto tudo e, à semelhança da maior parte das vozes que se levantam contra o acordo, sou preguiçosa e comodista e não me apetecia agora estar a alterar hábitos de escrita e (pior do que isso!) ter que o fazer com a responsabilidade de quem a ensina e de quem (por irreverência e pouco juízo, certamente) a verga a metáforas e outras vaidades! Sim, de facto, para mim era muito mais cómodo que nada se alterasse. Muito mais aborrecido, também, garanto.

Que fique bem claro o seguinte: eu não quero opinar sobre este acordo ortográfico, até porque, grosso-modo, nem tenho opinião, que isso (é sabido!) é coisa que dá trabalho. O que eu queria era manifestar o meu repúdio por esta declaração do Sr. M.S.T e, já agora aproveito, por todas as outras que ele tenha proferido antes e depois desta, mesmo aquelas que tinham hipóteses de ser interessantes, mas que ele consegue com uma deselegante arrogância (porque há aí uma variante de arrogantes elegantes, a que ele não pertence) destruir. Essa declaração sobre o acordo, de resto, nem sequer foi arrogante, foi apenas leviana e triste. O que vale é que este senhor é um grande partido! (entendei o que considerardes a melhor sugestão de espírito e lede isto com sotaque eclesiástico, a ver se nosso senhor vos guarda e protege de todos os colonialistas futurosjjjjjjj.